ARQUEOLOGIA e ARQUITECTURA | PRÁTICAS E ESCRITAS COM O MUNDO
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Imagem 2: "Fazer uma casa na pedra" [Os Espacialistas]

Mesa - Redonda

[Desenho e Modos de Usar] A Arqueologia e a Arquitectura. 
Práticas e Escritas com o Mundo.

A criação de textos sobre o passado, a escrita dos espaços já habitados e por habitar, parte da aventura entre a prática arqueológica e a experiência arquitectónica. Propomos pensar o desenho e o uso, a construção e a habitação, as diferentes formas e ritmos de escrever (estar) (n)o mundo, unindo arquitetos e arqueólogos, na disjunção do tempo anacrónico, para que outros espaços possam ser construídos, inventados, sem receio de resistir à imagem institucional.

Na experiência da escrita como reconstrução e invenção, como sequência e disrupção, como forma de habitar as ainda por vir construções do passado, propomos pensar as práticas de desenho e o uso do espaço entre a construção/escrita da ruína (ou do começo) e da casa por vir (ou da ruína imaginada). 

A escrita
​
“O mundo é a linguagem como invenção. 
A escrita é a aventura de conduzir a realidade até ao enigma, e propor-lhe decifrações problemáticas (enigmáticas).” 

(Herberto Helder, 2006[1979]: 137) [1]

​
 “A escrita é a aventura”, escreve Herberto Helder. A escrita materializa – dá corpo, coerência e finalidade – à experiência de “descoberta do mundo”. Descobrir o mundo é o esforço de aprender, indefinidamente, a ensaiar uma prática de criação: das coisas, das formas, dos ritmos e dos seres. Uma prática de produção de diferentes espaços, de relações e de qualidades por nomear. Uma experiência dirigida à produção de outras formas de vida, para as quais as condições de possibilidade de um pensamento outro têm de ser produzidas. Nessa condição, a experiência é uma prática de enunciação que se faz com o mundo. Onde escrever é um verbo que se conjuga, continuamente, comas coisas do mundo. Nesse sentido, a escrita – entendida enquanto prática discursiva e enunciativa, mas também como espaço de implementação de formas de fazer e de pensar – é a condição política de participação inventiva na criação de um mundo. Pois, “o mundo é a linguagem como invenção” (Ibid: 137). 

 A Arqueologia e a Arquitectura são escritas com o mundo. São práticas de conjugação com o mundo: da sua materialização, temporalização, congregação, edificação e transformação. São modos de intervenção, simultaneamente, no começo e na ruína de um mundo. Nessa perspectiva, Arqueologia e Arquitectura estabelecem um encontro com o devir: com diferentes formas de mundo e com os diferentes ritmos em que se constituem as formas do mundo. Na sua relação entre começo e ruína, entre o devir e o porvir, ambas as disciplinas procuram produzir diferentes modos de compreensão do presente, promovendo, deste modo, a produção das condições de possibilidade de pensar o passado na sua diferença e, assim, criar as possibilidades de uma memória por-vir. 

 A prática da escrita aponta, deste modo, no sentido de uma experiência como política de problematização. Uma política que, enquanto experiência, constitui as condições de uma ética de liberdade para a invenção de novas formas de vida na dispersão própria do que somos e do que fazemos. No avesso da mortificação, ela é abertura à multiplicidade de ritmos e de sentidos. Ou seja, transforma-se numa experiência viva. Nesse sentido, entendemos a escrita como uma experiência desde onde se pode ensaiar a existência. Indefinidamente. 

  A escrita é a aventura: é deslocação e devir. Uma aventura onde, afinal, a experiência se traduz num gesto de se atirar o corpo contra o mundo. A condição política – de constante atualização/negociação dos seres e do Mundo – de um gesto capaz de integrar no pensamento a possibilidade de um por-vir. 

 Atravessando espaços, lugares, seres, coisas e relações por descobrir, a Arqueologia e a Arquitectura podem, então, ser entendidas como práticas que desafiam o por-vir. No esforço de um fazer e de um pensar numa zona de limite e de limiar – do silêncio dos vestígios, da sua inefável diferença e do impensado – são práticas que procuram ensaiar o gesto de transformação desde onde se pode, afinal, enunciar a possibilidade de cada novo começo. Nessa condição, a escrita abre-se à possibilidade de uma experiência ética como prática de liberdade e de criação. Na possibilidade infinita de começo, abre-se uma possibilidade de resistência como “gesto de criação de si”. Afinal, de uma linguagem outra, onde a escrita é a aventura da aprendizagem do começo como paisagem de vida. 



[1] Helder, Herberto (2006 [1979]). Photomaton & Vox (4° edição). Lisboa: Assírio & Alvim.

​O desenho [a construção] e o uso
 
“Tratava-se, portanto, de compreender e não de imaginar”

 (Álvaro Siza, 2018 [1997]:47) [1]

​ O arquitecto, pela compreensão do espaço prévio à construção, desenha o edifício por vir. O arqueológo, pela compreensão da ruína, desenha um edifício pretérito. E prestam atenção aos materiais, às coisas, à escultura do substrato, ao que vem de longe, ao que pode carregar outros tempos ou ao que se anuncia como diferente. Trata-se, portanto, de compreender. A planta, em Arquitectura é entendida como projeto, como a fase prévia à construção, é o desenho do que está por vir; em Arqueologia é o registo de todas as construções realizadas, do fim do sítio, é o desenho da ruína/estruturas arqueológicas, do que foi. No entanto, nem a construção se esgota no projeto, nem a planta arqueológica é o projeto do edifício do passado. Como desenham arqueólogos e arquitetos os seus edifícios (na articulação entre o passado e o que ainda está por vir)? 

 Forma / construção / uso assenta no tempo sequencial da Arqueologia e da Arquitectura, e por isso em permanente confronto com o tempo da habitação, paradoxal, um caleidoscópio que procura os espaços partilhados dos tempos de cada um e dos de todos. E hoje, em Arqueologia e em Arquitectura, a construção fecha-se ao uso. A construção precede o uso e não deixa que o uso continue a construção  - em Arqueologia são utilizadas as fases de construção e as fases de ocupação; em Arquitectura, o arquitecto vai desaparecendo durante a construção, durante o processo de atualização da forma, para se retirar no uso.

 Mas o contínuo uso do espaço parece continuar a construção do próprio sítio, a emergência do edifício estende-se pelo uso. Como tem a Arqueologia pensado o uso do espaço, o uso das pequenas coisas, a alteração das estruturas de limitação, os reparos e manutenção, em sítios com longas diacronias de ocupação (ou uso)? Como pensa a Arquitectura os espaços que vão ser habitados? Num contexto de divisão entre os intervenientes no processo construtivo dos nossos edifícios, das nossas casas, entre arquiteto, construtor e habitante, como pensar esta (aparente) fratura? Como é que a Arqueologia e a Arquitectura veem a habitação do espaço?

 J. Till (2009) [2] propôs passar do nome – plano – ao verbo – planear. O gesto da Arquitectura e o gesto da Arqueologia são práticas criativas, que pelo desenho e uso do espaço inscrevem uma cartografia/história dos modos de usar o espaço, e podem abrir(-se) a criação/escrita de casas [mais] livres.


                                                                                                                                  Ana Vale & Joana Alves-Ferreira



[1] Siza, Álvaro (1997). Scritti di architettura. (cura. A. Angelillo). Milano: Skira editore apudMendes, Manuel (2018) Construir um paraíso perdido. Por uma casalivre. Alfredo Matos Ferreira. Álvaro Siza. Habitação, Parede, Projecto, 1961-67. Desenrolar uma experiência de desenho como lugar de ensaio. Porto: Edições Afrontamento.

[2] Till, Jeremy (2009). Architecture Depends. Cambridge/London: MIT Press. 

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